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segunda-feira, 7 de março de 2016

A Ilha da Vergonha (014)

"(...)Já se preparava para retornar ao barco, quando a bota chuta qualquer coisa que vai embater na parede. Apontou automaticamente a luz da lanterna para o sítio onde ouviu o embate e baixou-se para examinar o pequeno objecto cinzento.
Era a bateria de um telemóvel."

Instantaneamente, soube onde estava. Estava por baixo do pátio interior do forte, mais exactamente, em abaixo da fresta onde o inspector tinha perdido o telefone, e tudo indicava que alguém ali estivera preso.
– Então? Está tudo bem aí dentro?
– Calma – ecoou a voz do sargento. – Já estou a sair. É só mais um segundo.
Pouco depois, deslizava triunfante para o bote, exibindo o troféu.
– E então? – Perguntou Lourenço, ansioso por saber como tinha corrido a exploração.
– Um cubículo mal cheiroso, – respondeu enquanto passava a máquina fotográfica para o colega. – E fosse quem fosse que ali esteve, não saiu há muito tempo. Encontrei esta bateria, que deve corresponder ao telemóvel do inspector, e ainda se notava um ligeiro cheiro a cera duma vela que encontrei no centro do compartimento.
 Lourenço corria uma a uma, as fotografias tiradas pelo sargento e ia acenando em concordância. Houve no entanto qualquer coisa que o fez voltar atrás e examinar uma das fotos com mais atenção.
– Estranho… – Disse como se tivesse a falar para consigo, enquanto analisava atentamente o pequeno ecrã.
– O que há de estranho?
– Hã?!
– T'ás hipnotizado ou quê? – Voltou o sargento, levantando a voz. – Estavas a dizer que era estranho… O que há de tão estranho nas fotos?
– Desculpa. – Respondeu um pouco atrapalhado como se estivesse acordado de um transe. – Esta foto aqui – disse, apontando com o indicador. – Não achas estranho?
– O quê? – Perguntou, arrancando-lhe a máquina das mãos. – Não vejo nada de especial.
– Não é a foto em si – respondeu o furriel. – Mas todo o conjunto. Em todas as fotos está tudo velho e degradado, mas esta aqui mostra uma vela usada em cima de uma carpete quase nova. Será que está a ocultar mais alguma coisa?
– Rais’te’parta! – Grunhiu o sargento, voltando a guardar a máquina no bolso e preparando-se para saltar de volta à gruta. – Como é que não reparei nisso antes.
– Eh! Pára! Onde pensas que vais?
– Vou voltar lá dentro.
– Espera aí… o tenente disse…
– Não quero saber… – Respondeu saltando do barco. – Temos que fazer um reconhecimento, não é? Então, tenho de confirmar se verifiquei tudo ou não.
– Hum… O.K., mas então deixa-me amarrar o barco, pois desta vez vou contigo.
– Como queiras. – Respondeu Paiva com um encolher de ombros.
Pela segunda vez, o cheiro nauseabundo da gruta atingiu o nariz do sargento que, embora já estivesse à espera, não conseguiu conter uma expressão de nojo. Apontou a lanterna para o colega que lhe retribuiu um olhar de repugnância enquanto tentava conter-se para não tapar o nariz.
– Porra – disse, abanando uma das mãos como que para afastar o odor. – Cheira mal como os cornos. Não sei como alguém podia estar aqui fechado.
Continuaram. Assim que fizeram a curva à esquerda, viram imediatamente o tapete no centro do cubículo. Realmente, assim a brilhar à luz das duas lanternas, contrastava ainda mais com o ambiente deteriorado do pequeno compartimento. A vela no centro ainda exalava um ligeiro odor a cera queimada, dissimulando um pouco o fedor a comida azeda misturada com o cheiro das fezes que reluziam no meio do bacio de ferro numa tonalidade castanho-esverdeada.
– Vamos lá examinar o tapete e dar o fora daqui o quanto antes. – Decretou Lourenço, passando à frente do camarada, dando um pontapé no prato que sustinha a vela e agarrando uma das pontas da carpete.
– Não! Espera! – Gritou Paiva.
Já não foi a tempo.
Os dois souberam imediatamente que tinham apenas umas décimas de segundo para agir. O clique inconfundível da “Boucing Betty” disparou uma injecção de adrenalina no sangue dos dois soldados fazendo o coração trabalhar três vezes mais rápido e apurando-lhes todos os reflexos ao extremo.


A mina anti-pessoal escondida numa fresta do solo rochoso tinha sido activada quando o pequeno arame, estrategicamente esticado por baixo da carpete, foi puxado pelas mãos precipitadas do furriel Lourenço. O pensamento racional deu lugar à vontade ancestral incutida nas células dos primeiros primatas de se manter vivo a todo o custo e, como se fosse planeado num efeito especial de cinema, os dois lançaram-se no ar pela estreita passagem enquanto atrás deles um cilindro de ferro fundido saltava mais de um metro do solo fazendo explodir uma carga de trinitrotolueno que disparou uma chuva de fragmentos de metal no meio de fumo, luz e um barulho ensurdecedor.
O zunido dos projecteis que procuravam atingir o corpo dos dois militares, associava-se ao eco da explosão e aos pedaços de rocha que desabavam atrás dos soldados como que tentando impedi-los de rebolar vivos para fora da gruta. Talvez juntando a sorte à habilidade e treino intensivo, os dois atingiram as águas do oceano no mesmo instante em que um pedaço de pedra do tamanho de um pequeno carro se soltava da parede de rocha destruindo o bote de borracha e, o corredor onde há momentos tinham passado, se enchia de pedregulhos e lama.
Silêncio...

Durante uns ameaçadores segundos o silêncio imperou naquele local, dando depois lugar a um zunido que se sobrepunha ao bater das ondas e ao grasnar das gaivotas. 
Mais uns segundos... 
O borbulhar de espuma branca onde o barco de borracha afundara começava a dar lugar ao azul das águas do mar e o zunido, embora ainda presente, principiava a baixar de volume. Finalmente, uma cabeça ofegante aparece à superfície, logo seguida de outra cuspindo ar misturado com água salgada por todos os orifícios.

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