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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (011)

            Ao largo das Berlengas, a cerca de duas milhas, um barco de recreio deixava-se embalar pelas ondas. Um homem, de boné e óculos escuros, sentava-se calmamente na proa, cercado por uma grade de protecção com pouco mais de quarenta centímetros de altura.
A Ilha da Vergonha (011)
Uma cana de pesca pendia, preguiçosa, ao seu lado enquanto ele, de binóculos em punho, observava o mar. Era um cenário normal naquelas paragens mas, um olhar mais atento mostraria que o carreto nem sequer continha linha de pesca e que a atenção do homem se centrava exclusivamente na ilha.
Há meia hora atrás, um dos dois únicos tripulantes recebera uma mensagem pelo telemóvel e, cerca de vinte minutos depois, um helicóptero rasava sobre a sua cabeça. As ordens tinham sido claras:
«Observe a ilha. Vai ter companhia. Se necessário, tome medias extremas.»
Agora vigiava atentamente todos os movimentos das tropas no forte.
Não entendia bem o que se passava nem sabia como o Grifo tinha conseguido a informação, mas o perigo pairava no ar como o nevoeiro nos primeiros dias de Verão.
Conseguia cheirá-lo.
Os binóculos eram bastante potentes. Um Konos Tornado 7 x 50 IF à prova de água, bússola iluminada e retículo de medição de distância. Com alguma concentração, conseguia-se contar as borbulhas na cara de uma pessoa a um quilómetro de distância.
Não era necessário tanto.
Com os olhos postos nas imediações do forte, viu um pequeno grupo de homens armados entrarem na antiga construção e, para seu espanto, viu-os expulsar toda a gente de lá, fazendo-os seguir falésia acima, tal como pastores a guiar um rebanho de ovelhas. Apenas três pessoas tinham ficado no pátio. Viu um dos soldados trazer alguém pendurado pela gola do casaco e viu-o depois seguir junto com os outros.
«O que se preparariam para fazer?» – Pensou para consigo. – «Será que desconfiam de alguma coisa?»
De repente, todos tinham desaparecido. Apenas um casal ficara no pátio, cada um dos outros desaparecera dentro do edifício.
O suor começava a fazer-se notar à medida que ele apertava cada vez mais os binóculos contra os olhos, a ponto de deixar uma orla vermelha que lhe marcava a cara logo abaixo das sobrancelhas. Tentava vislumbrar algum tipo de movimento mas, durante mais de dez minutos, nem uma gaivota sequer pairava sobre o forte.
Silêncio.
Silêncio demais. Até a suave brisa marinha tinha desaparecido como por magia. O mar parecia agora um lago e as pequenas gotas que se formavam no rosto do homem do barco, juntavam-se agora num fio que lhe escorria pelo pescoço abaixo, obrigando-o a largar a vigilância pelo tempo que levou a procurar um lenço de papel no bolso dos calções e limpar a testa.
 Guardou novamente o lenço, agora ensopado, e a mão tacteou um outro bolso, fechado, dando umas pancadinhas ténues no volume, algo pesado, que ali mantinha.
Lembrou-se novamente da mensagem do Grifo. A última linha era bem clara:
«Se necessário, tome medidas extremas.»
Mas… será que teria coragem para o fazer?
Ninguém sabia o verdadeiro nome do Grifo. O seu apelido tinha sido conseguido pela sua habilidade de se sobrepor a todos os outros à custa dos mais fracos. Agora, o seu nome era pronunciado com respeito, ou melhor, com temor.
Poucos eram os que o tinham visto pessoalmente. Mesmo ele, que já estava ao seu serviço há mais de cinco anos, só tinha tido a oportunidade de se encontrar frente a frente com o Grifo um par de vezes.
Por experiência própria, sabia que ele não era o tipo de homem que se deixe contrariar mas, até então, isso nunca tinha sido um problema. Todos os contratempos que fora contratado para eliminar, tinha-o feito automaticamente, sem pensar duas vezes. – «Afinal, todos eles mereciam.» – Repetia para consigo. – «Mas agora… um inocente…»
Abanou furiosamente a cabeça, distribuindo alguns salpicos de suor no processo.
«Estás a preocupar-te antes de tempo.» – Disse para ele mesmo. – «Concentra-te! Limpa o teu espírito e volta a vigiar a ilha. Talvez seja outra operação qualquer. Sim, talvez desta vez o Grifo esteja enganado. Claro, está apenas a ser demasiado previdente.»
Voltou a enganchar novamente os binóculos nos olhos mas, uma frase martelava-lhe continuamente o cérebro:

«O Grifo nunca se engana!»

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