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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Ilha da Vergonha (010)

"(...)a aeronave levanta voo, desaparecendo por trás da ilha na direcção oposta à que chegou, deixando seis homens de camuflado e capacete com viseira à prova de balas, alinhados em paralelo à espera de ordens..."


Desde situações mais simples, como procurar um animal de estimação nos destroços de um prédio fustigado pelo fogo, até a missões de alto risco, como resgatar uma equipa de televisão feita prisioneira em território hostil, num ambiente de guerra, e fazê-la regressar em segurança ao país, todo o pelotão, – composto na totalidade por quinze militares seleccionados de entre os melhores das forças armadas portuguesas – já tinha, literalmente, colocado a sua vida nas mãos daquele homem.
– À vontade, tenente! – Respondeu Miro, sem saber muito bem o que dizer e apercebendo-se que o oficial em sua frente estava desconfortável com a situação em que tinha sido colocado. – Não é necessário esse aparato todo. Eu vou colocá-lo a par da situação e você decide a melhor maneira de agir. Com certeza está mais familiarizado com estas situações e conhece melhor os seus homens do que eu, portanto… não pretendo interferir e vou dar-lhe total liberdade.
Uma ligeira alteração na expressão do tenente, que Miro identificou como sendo um sorriso de aprovação, seguiu-se de uma rotação de cento e oitenta graus sobre os calcanhares e uma ordem seca que fez com que o pequeno pelotão batesse em uníssono com tacões e se aproximasse de Miro, formando um semicírculo enquanto o ouviam.
O relato demorou apenas alguns minutos, tempo suficiente para que uma quantidade cada vez maior de turistas se fosse aglomerando à entrada do forte tentando adivinhar o que se passava.
– E é tudo! – Disse finalmente Miro. – Então? O que se segue?
– Bem… uma vez que deixa ao meu critério, a primeira coisa a fazer é retirar daqui toda esta gente. – Respondeu, fazendo um ligeiro gesto com a cabeça na direcção dos cerca de vinte curiosos que se acotovelavam entre si pela disputa de um lugar na plateia. – Se vamos vasculhar o forte, não quero aqui ninguém a atrapalhar.
A um aceno de concordância de Miro, Ludgero Samora, tenente ajudante, virou-se para o pelotão e fez um gesto circular com a mão apontando em seguida o indicador em direcção à entrada do forte. O sinal já deveria ser conhecido pois, sem ser necessário uma única palavra, no instante seguinte o pequeno grupo dispersou em direcção à fortificação e, em menos de nada um grupo de turistas mal humorados barafustando palavrões em três ou quatro línguas diferentes, eram empurrados falésia acima, deixando o edifício ocupado apenas por Miro, Ofélia e a equipa de resgate.
Miro ia abrir a boca para elogiar Samora e a eficiência dos seus homens, quando a sua atenção é desviada para a porta, de onde saía um tipo baixinho, de óculos e um tanto enfezado, erguido a cinco centímetros do chão pela mão direita de um dos soldados que o segurava sem esforço pela lapela traseira do casaco.
– Ponha-me no chão, sua besta! – Gritava, fazendo tremelicar todas as bolinhas brancas do seu laçarote vermelho, enquanto esperneava furiosamente e tentava, sem êxito, voltar-se e aplicar uma série de rápidos murros no peito do soldado que se limitava a ignorá-lo e esticar um pouco mais o braço. – Ponha-me no chão, já disse! Seu… seu… brutamontes!
– Cabo! – Bradou o tenente Samora. – O que se passa?
– Nada que não acontecesse já, tenente. Este nanico recusava-se a sair e, quando eu tentei, delicadamente, convencê-lo, começou a ofender todos os militares e a dizer que quem está nas forças armadas só sabe usar os músculos e que o seu cérebro diminuto só serve para cumprir ordens. Bem… eu resolvi concordar com ele, pelo menos no que respeita aos músculos.
– Traga-o aqui, cabo!
Embora toda a equipa tivesse uma relação mais próxima do que muitos membros da mesma família, o tenente Samora ganhara o hábito de nunca os tratar pelo nome, nem sequer pelo apelido. Em vez disso, quando se tinha de dirigir a eles, tratava-os sempre pela patente.
Miro fazia um esforço para não rir, enquanto Benzino se ia aproximando, sendo segurado tal como um cachorro levado pela boca da mãe. A única diferença era que o animal, muito provavelmente, não espernearia tanto.
– Largue-me! Largue-me, já disse! – Ia berrando, cada vez mais alto, à medida que se aproximava de Miro e Samora. – Eu vou processá-lo! Meta-me no chão, porra!
– Largue-o, cabo. Eu trato do assunto. – Ordenou Samora.
Miro e Ofélia recuaram um pouco, deixando o tenente frente a frente com Benzino que alisava o casaco freneticamente numa tentativa de recuperar alguma compostura.
– É você que manda aqui? – Perguntou, olhando para cima e colocando-se em bicos de pés para tentar ganhar um pouco mais de estatura. – Afinal o que se passa? Aquele seu lacaio arrastou-me à força do meu local de trabalho e trouxe-me para aqui. Fique sabendo que eu vou falar com o meu advogado e vou depená-lo, a ele e a todos vocês. Eu sou uma pessoa respeitável e não admito que…
Não teve tempo de dizer mais nada. A sua voz foi abafada por uma manápula que se comprimiu sobre o seu pescoço, levantando-o desta vez a mais de vinte centímetros acima do solo. O tenente arrependeu-se a tempo e baixou-o logo em seguida, mas sem lhe largar o pescoço.
– Escute-me bem pois eu só vou dizer isto, uma vez! – Falou com uma voz baixinha e melodiosa, como se lhe sussurrasse ao ouvido. – Desobedecer-me a mim ou aos meus homens equivale a desobedecer ao governo português e… isso é uma coisa que você não vai querer fazer, não é verdade? – Benzino ia para responder qualquer coisa mas a mão do tenente fez um pouco mais de pressão, impedindo-o. – Você vai acalmar, vai parar de espernear como uma borboleta histérica e vai seguir, ordeiramente, o resto do pessoal pela falésia acima. Dentro de uma hora ou duas volta e vai encontrar tudo tal e qual como deixou. Fiz-me entender?
– Mas…
– Fiz-me entender ou não? – Reforçou, quase lhe tocando a cara com o nariz.
Benzino pareceu reflectir um pouco e acabou por acenar com a cabeça, conformado. Pouco depois, já subia as escadinhas da falésia atrás de todos os outros, levando com ele umas carinhosas lapadas na cara como incentivo, cortesia do tenente Samora.

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