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sábado, 16 de janeiro de 2016

A Ilha da Vergonha (005)

"Pararam apenas uma única vez para captarem com a câmara fotográfica e com o telemóvel algumas imagens do forte e, em menos de meia hora já estavam em terreno plano preparando-se para atravessar a ponte de rocha que dava acesso ao edifício."


Ofélia fez sinal para pararem. A respiração ofegante provinha mais do esforço mental para não sucumbir a vertigem da descida do que ao cansaço físico.
– Queres saber quantos degraus descemos? – Perguntou.
Miro já conhecia bem demais as capacidades de cálculo mental da esposa. Retraiu um comentário sarcástico enquanto colocava a mão em pala por cima das sobrancelhas para se proteger da luz solar e olhava para o percurso que acabara de fazer tentando calcular os degraus desde o sítio onde estavam até ao farol. Uma leve brisa refrescou-o por uns momentos, deixando quase imediatamente de se fazer sentir.
– Não faço a mínima ideia de quantos foram – acabou por admitir. – Mas não tenho vontade nenhuma de voltar atrás para contá-los.
– 265! 265 degraus sem contar com a rampa. – Disse usando aquele tom de voz característico de quem tinha razão e “eu bem te avisei”. – Sabes o que são 265 degraus? É a mesma coisa que desceres de um décimo oitavo andar com o elevador avariado. Nem penses que vou subir isto tudo. Nem que tenha de ir a nado.
– Não precisas nadar. Basta atravessar a ponte para irmos visitar o forte e depois vamos num desses barquitos até à praia principal. – Disse Miro, apontando para os pequenos barcos que estavam atracados junto ao forte, na esperança de conseguirem alguns turistas que os contratassem para visitarem as inúmeras grutas existentes em torno da ilha.
Ofélia pareceu acalmar ao reparar nas simpáticas embarcações que iam chegando e saindo, cada uma delas levando três ou quatro passageiros.
– O.K.  – Disse, preparando-se para atravessar a estreita ponte de rocha que ligava a abrupta escarpa ao forte S. João Baptista, passando por cima de uma pequena praia desolada, com apenas alguns poucos metros quadrados de areia. – Mas vamos despachar-nos, então. Vamos aproveitar para conhecer as grutas e ainda quero ter tempo para passar algum tempo naquela adorável praia que vimos quando chegámos.
  
O pequeno forte erguia-se altivo em frente ao casal e a mais alguns turistas que se passeavam calmamente no pátio exterior.
O pátio terminava numa enorme porta de madeira reforçada com grossas ligas de ferro fundido. Espreitando sobre o muro no lado esquerdo do pátio, uns degraus pequenos e toscos desciam até ao nível do mar, terminando numa plataforma parcialmente molhada onde duas lanchas se encontravam ancoradas. Depois de confirmarem ser esse o único acesso às caricatas embarcações que faziam o percurso em volta da ilha, entraram. Passaram um pequeno hall onde se podia ver um corredor estreito e sombrio que, provavelmente, daria acesso aos quartos onde outrora funcionavam as dependências de serviço das tropas ali estabelecidas, mas que agora eram explorados pela Associação dos Amigos das Berlengas, que tinha transformado aquele local numa tranquila e rústica pousada.
Em pouco mais de dez minutos já tinham completado a visita.
Para além dos doze quartos e de mais outras oito divisões no interior da muralha, a pequena edificação contava ainda com um café, um humilde estabelecimento mesmo no centro do pátio interior, que destoava do chão em pedra, com grandes fissuras que inspiravam cuidado ao caminhar, principalmente se fosse o caso de alguma senhora que se aventurasse a explorar aquele local em saltos altos. As espessas paredes de pedra, a precisarem urgentemente de recuperação, em conjunto com tudo o resto, e o facto do forte se encontrar directamente por cima do mar, criavam uma orla de misticismo que não passava despercebida a nenhum visitante.
– Não gostavas de viver naqueles tempos? – Perguntou Ofélia sorrindo e fazendo uma vénia curvando ligeiramente as pernas enquanto segurava uma hipotética saia comprida. – Eu seria a donzela presa na torre, e tu o meu devotado cavaleiro que atravessava o oceano no seu imponente garanhão branco, para me salvar das garras da terrível e malvada bruxa.
Miro não conseguiu suster uma sonora gargalhada.
– Com que então atravessava o oceano, montando um cavalo branco… – Olhou para a mulher durante alguns instantes, arqueando a sobrancelha com ar de quem duvidava.
Ofélia conseguiu manter-se séria durante dois segundos, explodindo depois numa contagiosa risada que a desequilibrou ao ponto de Miro ter de a segurar. Uma décima de segundo mais tarde e ela estaria estatelada no chão.
Ofélia deixou-se cair pesadamente nos seus braços tentando diminuir o riso e olhando-o nos olhos.
– Meu príncipe! – Exclamou, levantando-se logo de seguida e saltando para a beirada de uma grande janela aberta na muralha, virando-se para o mar e abrindo os braços.
– Solta as tuas tranças, Rapunzel, que eu subo por elas e salvo-te. – Gritou Miro, divertido, enquanto procurava o telemóvel no bolso, preparando-se para tirar uma foto da cena.
A pressa fez com que o aparelho lhe saltasse das mãos. Miro lançou-se num voo rasante, na tentativa de evitar que o telemóvel se desfizesse em mil bocados no chão. Ainda lhe conseguiu tocar com as pontas dos dedos, o que só serviu para aumentar o desespero ao ver o seu precioso telefone, carregadinho com fotos e com a agenda repleta de contactos, desaparecer numa grande ranhura entre as pedras do pavimento.
– Miro! – Gritou Ofélia, descendo da sua torre improvisada e correndo para o marido. – O que se passa?
Miro limitou-se a resmungar qualquer coisa imperceptível, enquanto tacteava o interior do buraco.
– Miro… – Insistiu. – Respondes-me? O que se passa?
Em vão, Oldemiro Mendes tentava chegar ao telemóvel mas, já com todo o braço inserido na fenda e sem conseguir encontrar o fundo, viu-se obrigado a desistir.
– A porcaria do telemóvel – respondeu finalmente. – Já é o segundo em menos de três meses.
– Mas… o que aconteceu?
– Aconteceu… aconteceu que eu ia tirar-te uma foto e o raio do telefone caiu-me neste maldito buraco que parece não ter fim.

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para quem quiser acompanhar:
A Ilha da Vergonha - 004
A Ilha da Vergonha - 003

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